segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Cães potencialmente perigosos




Haverá razão para criarmos uma distinção entre cães potencialmente perigosos e cães “normais”? Haverá alguma característica comum a estas 7 raças (pitbull, rottweiller, cão de fila brasileiro, dogue argentino, tosa inu, staffordshire bull terrier e american staffordshire terrier) que justifique a presença das mesmas em detrimento de outras, nesta lista? Será mesmo verdade que estes cães mordem mais vezes e com maior intensidade requerendo um estatuto especial e leis específicas que, supostamente, farão com que a frequência de ataques diminua?
Categorização de cães
As listas de cães potencialmente perigosos variam ao longo do mundo incluindo outros cães como o pastor alemão, o leão da rodésia, o dogue alemão, o border collie (que era considerado perigoso em Itália até 2007) ou mesmo o cão de serra de aires, o rafeiro alentejano e o serra da estrela. Mas algumas raças como o pitbull e o rotweiller mantém-se presentes em praticamente todas as listas. Se observarmos com atenção as estatísticas de ataques de cães podemos ver que a maioria dos ataques vem, obviamente, das raças que são mais populares na altura e que, por essa mesma razão, têm uma maior população naquele local. Temos ainda de perceber que nem todas as mordidas serão alvo de queixas e que há um maior alarmismo tanto para a gravidade da mordida, porte do cão e do alarmismo causado pela media na altura. Este alarmismo provoca também um efeito de lupa na atenção dada ao comportamento de determinados cães: se um pitbull avançar e rosnar a alguém poderá ser alvo de queixa (e entrar para a estatística) mas se um labrador morder a alguém será mais fácil haver um entendimento entre ambas as partes a não ser que a gravidade da mordida peça o contrário. Existe ainda a necessidade sempre presente de atribuir raças a todos os cães – seja em associações em que cães com orelhas pontiagudas são pastores alemães, se têm olhos azuis são huskies, se são muito grandes e de pêlo comprido são serras da estrela como também na media que define qualquer cão com uma cabeça grande como pitbull e todos os cães pretos com marcas castanhas como rotweillers. Esta categorização afecta também a forma como interpretamos os ataques já que a raça torna-se um factor importante e cada pessoa define então o cão que o mordeu de acordo com a imagem que tem daquela raça: corpo portentoso e cabeça grande = pitbull; se é branco = dogue argentino; se preto e castanho = rotweiller, etc. Há um ciclo vicioso em que a cada ataque são procuradas parecenças a qualquer raça pertencente à lista e a cada ataque o foco e a discriminação feita a estes cães aumenta.




O perigo dos rótulos
Rotular raças de cães e fazer uma discriminação tanto “positiva” como negativa é incrivelmente perigoso e infelizmente ainda muito disseminado como sendo a verdade. São imensos os livros, sites e até criadores que ainda propagam a ideia que aquela raça é “dominante”, “interage mal com outros cães”, “precisa de mão firme” ou, o contrário “excelentes com crianças”, “não mordem” (ou o belo, nunca mordem mas podem beliscar), “muito bons com cães”. Estas informações – e tantas outras atribuídas como características intrínsecas a cada raça – são dadas como verdadeiras e influenciam a forma de educar e interagir com cada cão. Rotulagens “negativas” como dizer que determinada raça não é sociável com outros cães faz com que muitos tutores impeçam os seus cães de interagir com outros cães – não fazendo qualquer tipo de sociabilização com os seus cachorros e criando o problema - ou que reprimam comportamentos naturais dos seus cães. Infelizmente ouço ainda muitas histórias de pessoas que vão buscar cães portentosos e que “precisam de mão firme/são dominantes/ são naturalmente agressivos”, escalam rapidamente o uso de aversivos utilizando cada vez mais força para “educar” o seu cão, não o sociabilizam correctamente (ou de todo) e depois quando o cão já pesa mais do que qualquer pessoa na família, quando já não o conseguem passear porque quer morder tudo o que vê e inclusive já não tolera que o manuseiem, descartam o problema para um qualquer treinador e colocam um prazo antes de matarem o cão porque “já não conseguem lidar com o comportamento agressivo da raça”. Da mesma forma que estes rótulos afectam o comportamento dos tutores com estas raças, devemos ainda quebrar a discriminação “positiva” de tantas outras raças: dizer que uma raça é boa com crianças, por exemplo, é extremamente perigoso já que estes cães vão ser colocados em situações em que convivem com crianças sem qualquer tipo de supervisão - crianças que fazem tudo o que querem, que não sabem o que o cão está a comunicar (ou não interessa porque aqueles cães não mordem e são bons com crianças) e que estão potencialmente em risco grave de mordida. É assustador procurar vídeos (ou fotos) de interacções entre cães e crianças e vê-las sentadas em cima dos cães, a persegui-los, a manuseá-los de forma inapropriada e ouvir os pais a rir atrás da câmara porque são os dois tão amiguinhos. Quando ouvimos falar de ataques – na televisão ou nos jornais – a informação dada e recolhida na altura prende-se só, infelizmente, com o cão em si.




A informação que devemos procurar é como são aqueles cães tratados? Estão acorrentados? Negligenciados num quintal sem companhia humana? São exercitados, tem estimulação mental? Foram sociabilizados para saberem interagir correctamente com outras pessoas e cães? Que tipo de treino tiveram? É essencial que mais do que criar meios para evitar ataques de certas raças, exista uma preocupação maior em educar a população acerca da linguagem comunicacional dos cães, em como sociabilizar correctamente, educar, evitar problemas comportamentais e criar bem-estar uma boa relação com os nossos cães. Enquanto alguém achar que as mordidas são característica de determinadas raças e que nenhum outro cão morde, enquanto alguém deixar cães em correntes ou permanentemente isolados, enquanto alguém deixar a sociabilização e treino de lado teremos sempre trabalho para fazer – é o nosso dever, como tutores responsáveis, educar e propagar informação correcta sobre o que significa realmente ter um cão. A importância de aulas de sociabilização, muitas vezes negligenciada, e do acompanhamento de um treinador que ensine a família a treinar o seu cão de forma positiva não deve ser deixado para quando o cão apresenta já problemas comportamentais e sim visto como algo perfeitamente normal e essencial quando se adopta um novo cão para a família.
Ser advogado pelos cães - como mudar o estigma existente
Infelizmente ter um cão pertencente à lista dos potencialmente perigosos é visto com maus olhos – somos subitamente criminosos e temos cães que comem crianças – atraímos pessoas que fazem comentários maldosos e passam para o outro lado da estrada ou pessoas que nos felicitam, querem conhecer o nosso cão e nos fazem sinal para termos força enquanto passam por nós, como já me aconteceu. Ter um cão desta lista significa ter uma preocupação especial com o comportamento dele – se o nosso cão rosnar a alguém podemos ter sérios problemas, se saltar para cima de alguém de certeza que e por ter desejos assassinos e por aí fora. A




melhor forma de mudarmos a forma como são discriminados não é entrar em discussões mas sim mostrar o treino que fazemos no contexto do dia a dia – seja ter o nosso cão a brincar de forma controlada com outros cães no parque; a andar à trela sem puxar; a sentar-se para conhecer pessoas (ou atravessar a estrada); a passar por outros cães sem reagir ou mesmo a fazer truques ou a ir buscar uma bola e trazer é a melhor forma de mostrar que são cães como qualquer outro e que não é o estigma que define os nossos cães. Fazer actividades com os nossos cães e viver normalmente com eles em sociedade faz também com que muitas pessoas os conheçam e reconheçam os cães perfeitamente normais que são. E aí, quando as pessoas pararem, pensarem e vierem falar connosco, falar-lhes dos perigos dos rótulos, da importância da sociabilização, de saber como os cães comunicam e do treino e em como é importante trabalhar na prevenção. É aí – quando os outros querem ouvir – que podemos fazer a diferença.

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